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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Futebol: que vença o melhor?


Teve início na semana passada o campeonato Carioca, dito o mais charmoso do Brasil. O atual campeão, Flamengo, defende o título contra o Fluminense, que luta para se aproximar do rubro-negro na hegemonia do estado, o Botafogo, que busca amenizar a frustação de ser o único grande carioca a não participar da Libertadores, e o Vasco, que tenta ir pela primeira vez a uma final desde 2004. A fórmula de disputa é a mesma adotada nas últimas edições: em cada turno, os dois primeiros classificados de cada grupo se enfrentam em confrontos do tipo “mata-mata”, com duas semifinais e uma final, todas disputadas em jogo único. Não há vantagem de empate para a equipe com melhor campanha na fase de classificação.

Como em todo campeonato, é bem possível que determinada equipe seja superior às outras, seja do ponto de vista puramente técnico ou emocional. Costumo brincar, porém, que esta fórmula de disputa é como decidir os jogos no “cara ou coroa”, tamanha é a aleatoriedade resultante desse processo. Para se ter uma idéia, no ano passado, dos 6 jogos semifinais / finais, 4 foram para os pênaltis, e nenhum dos confrontos envolvendo dois times chamados grandes foi decidido no tempo normal1.

Este post não tem a pretensão de calcular a chance matemática de título de uma equipe sobre outra a partir de informações qualitativas, mas sim mostrar o quanto esta fórmula de disputa pode ser injusta, partindo de um suposto desequilíbrio técnico entre as equipes. Apesar da dificuldade de acomodação no calendário, a realização de confrontos do tipo “todos contra todos” resultaria em uma maior probabilidade de título para a equipe que fosse melhor.

Pela fórmula atual de disputa, a chance de título de cada equipe classificada para a fase final do turno (por exemplo, a equipe A ilustrada na Figura 1) é dada por:

                                               Chance de título no turno = ps x  pf ,

onde ps e pf são as probabilidades de a equipe superar seus adversários nas fases semifinal e final, respectivamente, seja no tempo normal ou nos pênaltis. Na hipótese de total equilíbrio, onde cada equipe tem 50% de chance de vencer cada confronto, a chance de título de todas elas será de 25%, que corresponde ao valor, em percentual, do produto 0,5 x 0,5.

 
Suponha que, das quatro equipes que disputam a fase final do turno (denominadas A, B, C e D), a equipe A seja “duas vezes melhor” do que qualquer outra equipe. Matematicamente, isto se traduziria em uma probabilidade de 2/3 de vitória para a equipe A, contra 1/3 de seu adversário. Apesar de esta situação hipotética sugerir que a equipe A provavelmente levantará a taça do turno, suas chances de título são de apenas 44,44%. Esse é o resultado, em percentual, do produto 2/3 x 2/3, que expressa a necessidade de a equipe vencer os dois confrontos. Se as demais equipes forem consideradas tecnicamente empatadas, a chance de título daquela que enfrentar a equipe A na semifinal será de 16,67%, e cada uma das demais ficará com uma chance de 19,44% 2. Apesar da evidente vantagem da equipe A em relação às demais, não deixa de ser desanimador constatar que, apesar de ser tão superior às outras equipes, será mais provável que a equipe A não vença o turno.

Se fosse adotada na fase final do turno uma fórmula do tipo “todos-contra-todos”, com o título indo para a equipe que conquistasse mais pontos (vide Figura 2a), a chance de título da equipe A subiria para 51,57%. Se, além disso, todos os confrontos fossem do tipo “ida e volta” (vide Figura 2b) esta chance saltaria para 62,78%, o que traduziria melhor, em números, a suposta superioridade da equipe A em relação às demais. Todos esses cálculos estão descritos na nota 3. 

 
É claro que a opção (b) seria inviável do ponto de vista prático pelo grande número de jogos envolvidos e pelo grau de importância que se daria a um simples turno. Mas poderia ser adotada em uma eventual fase final do campeonato, como foram nos longíquos anos de 1994 e 1995, por exemplo.

Análise semelhante pode ser feita para um playoff final de um campeonato de basquete, com o objetivo de determinar a quantidade de jogos que seja suficiente para proporcionar uma chance razoável de título para a melhor equipe4. Como no basquete não há empate, este cálculo pode ser feito aplicando-se diretamente a distribuição binomial, conforme mostrado na tabela abaixo. Considerei um exemplo onde uma equipe A tem 60% de chance de vitória em cada partida do playoff, contra 40% de seu adversário. (Do ponto de vista qualitativo, poderia se dizer que a equipe A é “50% melhor do que B”).

# jogos no playoff*
Condições para a equipe A ser campeã
Probabilidade da equipe A ser campeã
Cálculo
Chance (%)
1
vencer o jogo
0,60
60,0
3
Vencer pelo
menos 2 jogos
0,603 + C32.0,602.0,40 = 0,648
64,8
5
Vencer pelo
menos 3 jogos
0,605 +C54.0,604.0,401+ C53.0,603.0,402 = 0,682
68,2
7
Vencer pelo
menos 4 jogos
0,607 + C76.0,606.0,401+ C75.0,605.0,402
+ C74
.0,604.0,403 = 0,710
71,0
* o número de jogos é sempre ímpar para evitar que haja empate na soma das vitórias.

Como é de se esperar, quanto maior o número de partidas no playoff, maiores são as chances de título da melhor equipe. Porém, é interessante notar que, mesmo a equipe A sendo uma vez e meia superior ao seu adversário, em um playoff  com 7 partidas a chance dela não levar o título é de quase 30%. Para que a chance de título de A alcance o usual nível de significância de 95% adotado em Estatística, seria necessário um playoff de pelo menos 65 partidas.

Ao final de um campeonato, é comum buscar argumentos para justificar que o time campeão é “melhor” do que os outros, esquecendo que, em situações onde a aleatoriedade está presente, nem sempre a equipe que é superior vence, e o resultado final está longe de ser determinístico. Talvez o melhor exemplo para o futebol seja justamente o campeonato mais importante, a Copa do Mundo, que adota o mesmo sistema de “mata-mata” em jogo único desde as oitavas até o jogo final. Acho pouco provável que, se o mundo voltasse no tempo repetidas vezes, a Espanha fosse a maior campeã em 2010, ou a Itália em 2006.

De qualquer forma, seja no futebol ou no basquete, a razão perde espaço para a emoção proporcionada pela imprevisibilidade do resultado. Seria de fato bastante entediante acompanhar um campeonato onde a fórmula de disputa fosse 100% justa, pois em muitos casos já se conheceria a priori o campeão.
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1) Antes que este post desperte a ira de alguns leitores, ressalto que, apesar de não ter sido conquistado de forma muito nobre, considero justo o título obtido pelo Flamengo no ano passado, principalmente pela invencibilidade obtida durante a competição.

2) As probabilidades de título de cada equipe são as seguintes:
Equipe que joga a semifinal com A: 1/3 (vitória sobre A) x1/2 (vitória sobre a outra equipe) = 0,167
Demais equipes: 1/2 x 1/3 (vitória sobre outra equipe e vitória sobre A na final) x 2/3 (chance de A ir para a final ) + 1/2 x 1/2 (vitória sobre outra equipe na semifinal e final) x 1/3 (chance de A não ir para a final ) = 0,167 = 19,44%

3) Consideraram-se nestes cálculos uma chance de 40% de empate e 30% de vitória para cada time entre jogos envolvendo equipes B, C e D. Para os jogos da equipe A, as probabilidades de vitória, empate e derrota de A foram de 1/2, 1/3 e 1/6, respectivamente (note que, dividindo-se a chance de empate igualmente entre as equipes, tem-se 2/3 de vantagem para A). Listei todas as 3n combinações de resultados para os n jogos, e calculei a probabilidade de cada combinação como o produto das probabilidades de todos os resultados. A equipe campeã em cada combinação foi identificada pelo número de pontos ganhos em todos os jogos. Em caso de empate entre 2 ou mais equipes, dividiu-se a probabilidade de título igualmente entre as equipes.

4) Esta questão é discutida no ótimo livro “O Andar do Bêbado – como do acaso determina nossas vidas”, de Leonard Mlodinow, lançado em português aqui no Brasil.